19 de janeiro de 2017

O Apartamento

Misoginia velada universal

Forushande, Dir: Asghar Farhadi, Irã, 2016, 2h05min
IMDB                 Trailer


No último ano, quase nenhum filme "estrangeiro", leia-se, que não é filme nacional e nem de países de língua inglesa (especialmente EUA) foi analisado neste blog. Neste ano haverá maior diversidade neste blog, que sempre tratou de filmes sem ser em língua inglesa ou em português. A importância disto é o de ver uma realidade diferente da nossa e também diferente daquela sempre vista nos filmes dos EUA.

O Apartamento acompanha a estória de um casal de atores que se muda de seu prédio ameaçado de desabar para um apartamento cuja histórico da antiga moradora vai causar sérios problemas a eles. Um drama de gente comum.

O principal defeito do filme é que ele demora bastante a engrenar. Todo o primeiro ato da apresentação dos personagens e seu cotidiano, é maçante, e em determinado momento eu estava me perguntando para onde iria aquela estória. Passado isso chega-se ao acontecimento que irá quebrar a rotina dos personagens e conduzir a estória, quando a mulher é agredida em casa por um desconhecido.

O filme de um país tão marcado por seu fundamentalismo político-religioso, curiosamente é muito crítico de sua sociedade. De forma muito sutil. A questão religiosa nunca toma o primeiro plano no retrato das vidas dos personagens. Há lá um homem que tem de lidar com seus dilemas de macho, sua reputação e o controle de sua esposa. É uma estória sobre a misoginia que existe em todos os lugares, não a explícita e brutal do cidadão que mata mulheres, mas a velada, do marido que se acha o senhor de sua esposa e nem se dá conta de seu comportamento desrespeitoso, ainda que possa ser atencioso, culto, educado e afetuoso.  Também há análises sobre a justiça e sobre o que deve ser feito para reparar um ilícito. 

Por mais que O apartamento conte uma estória típica de Teerã, com suas particularidades, as estórias poderiam ser vividas na China, na França ou no Brasil. Os temas são universais e atuais, talvez até mesmo atemporais. Aliás, é interessante notar que Teerã, uma grande metrópole de terceiro mundo, em alguns pontos, como na decoração dos ambientes, lembra o Brasil. 

O roteiro apesar de às vezes se demorar no desenvolvimento da estória, como no primeiro ato, é inteligente e foi premiado em Cannes. Há uma interessante mistura da estória com momentos da peça de teatro que os protagonistas estão apresentando, sempre mostrando um trecho que de alguma maneira se casa com o momento da estória pessoal deles. E o ponto que mais se destaca é a eficiente criação de personagens complexos. Ninguém é bom ou mau. Todos são seres humanos, passíveis de bondade ou de maldade. 

O diretor e roteirista Asghar Farhadi também roteirizou o excelente A Separação, vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira de 2012, que trata de um divórcio movido por uma mulher que, mais do que se separar de seu marido, quer romper com o próprio Irã e sua sociedade, e para isso terá de enfrentar o sistema legal fundamentalista. Aqui a obra não tem a mesma força de seu filme mais famoso, mas mantém algumas de suas características, especialmente a crítica sutil à sociedade. Visualmente o filme é simples, mas a trama é boa o bastante para dispensar um visual chamativo.

O elenco é ótimo, com destaque para a dupla de protagonistas. Taraneh Alidoosti consegue passar sua dor de forma muito contida e sutil. E Shahab Hosseini faz seu marido tendo que lidar com seus conflitos entre o intelectual gentil e o macho alfa justiceiro. Atuação que lhe rendeu o prestigiado prêmio em Cannes.

O Apartamento, apesar de seu começo demorado, é um bom filme, que prende o espectador com seus dramas cotidianos e universais.

Nota: 7

2 comentários :

  1. Não entendi o final
    Qual sua conclusão?

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    1. Este não é um filme em que é necessário compreender o final, tipo saber exatamente o que ocorreu no episódio do ataque ou como o casal viveu após isso ou se o criminoso foi preso. O que vale é a análise do comportamento do protagonista e seus questionamentos quanto à justiça que ele buscou fazer.

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